21 de dez. de 2011

Esquina





Eu vejo as pernas de louça da moça que passam e eu não posso pegar,
Tô me guardando para quando o carnaval chegar
(Chico Buarque, Quando o Carnaval Chegar)









Talvez o Chico esteja certo, uma hora para tudo e para tudo uma hora. E o carnaval sempre chega, não é mesmo?  Talvez o mundo esteja certo, o Chico está certo, tudo está certo. Mas, eu não preciso/quero está certo. Talvez um tanto de teimosia e outro tanto de cinismo, mas eu não quero está certo. Eles podem até ter razão, mas a razão é só que eles têm. Eu não quero me guardar para nenhum carnaval. O carnaval deve ter lá suas razões. O defeito deve ser meu mesmo, eu admito.

É ruim pegar o caminho oposto, mas é bom, mas é ruim, mas é bom, mas é ruim, mas é bom... Ah é a vida. Enquanto tantos esperam o carnaval chegar, eu prefiro está na esquina e desejar o agora e o amanhã também, amar ontem e depois de ontem também. Amar e desejar são verbos que eu prefiro conjugar em mais de um tempo simultaneamente. Afinal eu não quero a economia do desejo.
E é o amor, por mais piegas que isso seja, que rompe essa economia do desejo. Eu desejo ela ontem, hoje e amanhã, não preciso guardar isso para o quando o carnaval chegar. Talvez isso seja ruim, mas é bom, mas é ruim, mas é a vida.
Tudo isso possa ser um defeito, não necessariamente meu. Mas, eu gosto do efeito desse defeito em efeito dominó. E esse é necessariamente meu. Vocês que se guardem para o carnaval! Que eu vou ficar por ali, naquela esquina entre o Carnaval e Dia de Finados, um bom lugar para olhar o movimento. 







20 de dez. de 2011

Narrativa






O fogo crepita e as histórias foram contadas. Algumas ecoam, reverberam ao longo do tempo e chegam até nós. Quantas e quantas vezes vimos o mito da caverna? Sem percebê-la tal como já fora contada antes, está lá em Platão, em Matrix, no Ensaio sobre a Cegueira, na Cidade das Sombras, em Vida de Inseto...
Existe algum poder nestas narrativas. Estão para além do bem e do mal, não se preocupam com o tempo presente. Camuflam-se, entram clandestinas em outras narrativas, ocupam espaços que não deveriam ser seus. Deve ser alguma força que nossos olhos perecíveis não conseguem captar e por isso não podemos guerrear com elas.
Porém, já não precisamos deixar que estas narrativas determine o seus sentidos. O mito da caverna hoje não se trata mais de uma busca da verdade. É preciso pensar em outros sentidos, em outros caminhos.
Criamos o mundo nestas narrativas, traçamos cartografias, inventamos espaços e fronteiras. Por isso que não podemos deixar que as mesmas narrativas criem o nosso mundo. É preciso assumir as redás.
Que ergamos paliçadas, que as defesas sejam preparadas, a risca foi traçada e eles não passarão.

15 de dez. de 2011

Da força da fragilidade





Das maiores fragilidades que os homens têm, o coração me parece posto em lugares inadequados. Tido como frágil, pois pode ser partido com palavras igualmente frágeis. Mas, que bombear sangue para o resto do corpo sessenta vezes por minuto, durante toda uma vida.
Talvez o coração possa ser frágil. Mas, isso não exclui a força deste músculo que mesmo partido, não para, pulsa e doe, pulsa e se alegra, pulsa... Pulsa mais e mais.
Talvez as nossas vidas sejam toda essa fragilidade, uma fragilidade de pequenas coisas grandes. Sorrisos, olhares e toques. Tudo tão frágil, mas tudo necessário. No fim, estamos o tempo todo neste relampejar de coisas frágeis e fugidias. Em encontros que não podemos delimitar os quais reais são. São segredos velados que se contados os outros nem acreditariam. Um mundo de verdades, todas elas igualmente frágeis.
As nossas fragilidades nos leva para o andar na corda bamba e é justamente isso que nos força ao equilíbrio. Então, que nossos corações se encham de coisas frágeis e miúdas, frágeis e enormes. De todos os sorrisos, olhares e toques.


9 de dez. de 2011

Contradições


“Cante mais uma vez comigo
Nosso estranho dueto
A beleza da sua voz
E a força da minha dor”
(Fantasma da Ópera)

Uma cantora lírica, voz sua suave, técnica, perfeita. Um cantor de rock, vigoroso, ousado, emoção mais que técnica. Um musical clássico, popular, conhecido por todos. Desta vez subvertida, por arranjos pesados de guitarras distorcidas, marcado por uma linha de baixo e uma bateria encorpada, apenas alguns toques de teclado para não esquecermos que se trata do Fantasma da Ópera.
Tudo um tanto inusitado, aos olhos que de longe vêem, tudo fazendo sentido para que acompanha de perto. O dueto da força e da beleza, talvez poucas vezes fez tanto sentido.
Quantas e quantas vezes vamos ter nos surpreender com as diferenças que somam para construir o belo? A beleza do outro está justamente em ser o outro. A oposição, a contradição são invenções e não inventos. Criamos todos esses lugares. Mas, para que eles nos servem?
Caminhos que partem direção opostas, mas que se encontram. Afinal o mundo é redondo. Encontros ao acaso entre forças diferentes. Dor e beleza, força e delicadeza. Caminhos que se somam.
A lógica não é dada a priori , assim como a beleza destes encontros inusitados. Acasos que seguem, na busca de caminhos alternativos.


5 de dez. de 2011

Entre sonhos e amores perdidos




Ela, uma raposa, astuta e ardilosa e magíca e inventiva. Ele, um moge, calmo e gentil e obstinado. Uma aposta. A raposa deveria fazer o monge abandonar o monasterio, onde era o único morador. No topo de uma colina, onde o resto do mundo era apenas um sonho distante. Onde os sonhos não carecianham de interpretações, eles estavam lado a lado dos demais seres.
Mas, a raposa não pode vencer a aposta, ninguém poderia. Ela desiste mesmo de tentar. Ainda mais agora que a raposa não queria está em outro lugar. E este lugar é o monge. Ela o ama, mesmo que as diferenças sejam tantas, mesmo que este amor seja impossivel, ela o ama. Talvez ela não goste de amá-lo. Talvez ele nem mesmo possa saber deste amor. O amor deles é tantos talvez que mesmo a mente mais inventiva não poderia estabelecer uma cartografia. Não existe um espaço seguro a raposa. Ela é sempre vim a ser. Um devir de coisas muidas que só existem no sonho de quem observa o monge e a raposa.
As apostas do passado já não importam. Em algum momento elas foram o acaso do encontro, mas agora, só existe o agora. O passado está tão distante quanto o sonho que precisa ser narrado para ter sentido.
O monge está em perigo. Sua alma vale um prêmio para um mago nas trevas. E é inevetival a morte do monge, a raposa sabe disso. Mas, ela não aceita. Não pode aceitar! Não! Não mesmo. Ela está desesperada. Ela corre pela noite, rasteija pelas sombras, mergulha nas memórias, vai ter com o próprio sonhar para impedir a morte de monge.
O sonho lhe diz que ela precisa capturar o sonhar do monge. É preciso se agarrar ao impossivel. E ela o faz, faz mesmo que custe a sua própria vida. O monge está salvo e no outro dia nem saberá do que aconteceu, não sabe quão real é o sonho.
Os amores e os sonhos não estão tão distantes. Quantos amores passados são como sonhos que só existem com o acordar? Que precisam ser narrados para existirem, talvez toda história seja esse recontar o sonhar. Talvez, não saibamos de todos os amores perdidos, pois, talvez não exista amor perdido. O passado enquanto sonho e os amores quanto acaso. A raposa e o monge são amores que não se realizam, mas, que brilham por conta das possibilidades não construidas. De tudo que ainda não foi, mas que pode ser narrado. Inventado, sonhado e amado por todos nós que aqui estamos.